Com a pulga atrás da orelha

Por Márcio A. F. Grochocki

           Em andanças por nossas montanhas ouvimos algumas frases cada vez mais comuns e que gradativamente vem se tornando parte de nosso cotidiano:

“Fica tranqüilo que ele é mansinho!”

“Pode passar que ele está amarrado!”

“Pode ficar sossegado que ele não está latindo para você, apenas ouviu os outros cães e está respondendo.”

            Isso mesmo! O crescente número de freqüentadores de ambientes naturais trouxe consigo o costume urbano de passear acompanhado de suas mascotes. Mas se você ouviu estas frases considere-se um sujeito de sorte! Isso indica que o responsável pelo animal estava próximo o bastante para supervisionar o comportamento do mesmo.

Agora imagine: Você chega ao cume de uma montanha em uma linda manhã e é recepcionado por um nada simpático pitbull que passeia livremente, enquanto seu dono, está em uma barraca desmaiado nos braços de Morfeu. Isso já nos aconteceu, e graças a Deus houve tempo (e barulho!) o suficiente para que o dono da fera despertasse e evitasse o incidente.

Esse caso nos leva a refletir sobre algumas questões:

  • O dono do animal se responsabilizaria pelo incidente?

  • O dono do animal seria capaz de socorrer o ferido?

  • E se fosse uma criança?

  • Por que levar um cão para a montanha?

  • Seria por uma questão de segurança?

  • Até que ponto a suposta segurança de um indivíduo justifica a insegurança dos demais? 

A hostilidade (ou instinto de defesa) comum aos cães é um fator que atinge diretamente outros freqüentadores. Porém os impactos da presença de cães em ambientes naturais não se resumem a isso. Os cães têm o instinto natural de perseguir e podem vir a matar algum exemplar da fauna local.

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            Como reagiria o responsável pelo cão caso isto ocorresse? Feliz por ter um hábil caçador? Lembre-se que matar qualquer animal prejudica o equilíbrio do ambiente e pode resultar em penalidade legal prevista na Lei de Crimes Ambientais – Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998.
             Art. 29 – Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécies da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em descordo com a obtida. 

Pena – Detenção de seis meses a um ano, e multa.
 

Nos parques administrados pelo poder público existe até um decreto que dispõe sobre a proibição do acesso de animais domésticos a essas áreas
 

Regulamento dos Parques Nacionais Brasileiros – Decreto nº 84.017, de setembro de 1979.
 

Art. 16 – Os animais domésticos, domesticados ou amansados, sejam aborígines ou alienígenas, não poderão ser admitidos nos Parques Nacionais.
 

E os problemas não param por aí! Engana-se quem pensa que os impactos estão relacionados às raças de grande porte. Os cães são vetores de diversas doenças (cinomose, parvovirus, raiva e adenovirus) letais aos animais silvestres. Logo o bicho geográfico não será exclusividade daqueles que freqüentam nossas belíssimas praias. A presença de cães também inibe a chance de você visualizar animais silvestres. A fauna é bastante sensível a impactos, principalmente nos períodos de reprodução e nidificação. Alguns animais, como os lobos guará, simplesmente evitam locais “ocupados” por cães. Ambos são territoriais e costumam demarcar seu espaço com urina. 
 

É claro que existem casos onde é impossível conter o ímpeto de desbravadores natos, como no caso da famosa cadela “Bolinha”, que acompanhava montanhistas por livre iniciativa, embora enxotada o tempo todo, até mesmo nas mais duras empreitadas.

            Espera-se que montanhistas e escaladores possuam um maior grau de comprometimento com o meio ambiente do que freqüentadores eventuais. No entanto não é isso que observamos. Os fatos que culminaram com o desenvolvimento desse texto foram presenciados no Anhangava, Canal, Camapuã, Tucum e São Luiz do Purunã.

Será que os latidos de cães juntamente com os gritos “uhu!” de farofeiros e afins são dignos de ecoar pelos vales abafando o som do vento, dos pássaros e da água em córregos e cachoeiras?
 

Será que além da preocupação com picada de cobras, que possuem total direito de defesa, precisamos agora nos prevenir de ataque de cães?
 

            A montanha é um templo propício à introspecção e também a consolidação de laços de amizade e ao compartilhamento da experiência de vivenciar e aprender com a natureza. Não desperdice essa oportunidade; o cão muitas vezes inibe essa aproximação. Adote sempre a política da boa vizinhança evitando molestar os outros com a presença de seu cão. Lembre-se que as pessoas podem ter preferências e motivações diferentes das suas.

 

            Seja o melhor amigo da montanha, siga as regras de mínimo impacto e deixe seu cãozinho em casa.

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