Por Alessandro Haiduke
“Não sigo o caminho dos antigos, busco o que eles buscaram.”
Matsuo Bashô
Em um mundo onde a escalada esportiva fixa é a modalidade mais difundida, praticada e aceita, afirmar a instalação de um número mínimo de proteções fixas – ou mesmo nenhuma, quando possível – são atitudes incomuns.
Em minha opinião, existe um número grande de vozes para defender a modalidade esportiva fixa de escalada, mas será que temos um número expressivo de escaladores para praticar, discutir e incentivar a escalada limpa?
Em primeiro lugar, não se deve interpretar os questionamentos acima colocados como uma guerra contra os bolts ; esses, quando bem utilizados, são instrumentos importantes em nossas paredes tropicais, com menos possibilidades de fendas. Trata-se sim do combate ao uso indiscriminado de proteções fixas. Em segundo lugar, é importante discutir essa questão com o objetivo de convidar as novas gerações a conhecer esse outro lado da escalada.
Atualmente, muitas proteções fixas são instaladas, porém existe pouca reflexão sobre sua real necessidade. Insisto que é necessário refletir sobre a instalação de proteções fixas, pois mesmo que possamos retirá-las depois de instaladas, algo permanecerá na rocha e em nossa consciência.
Percebo um excesso de proteções fixas em algumas vias escaladas que bem poderiam ser escaladas integralmente em móvel, com ótimas possibilidades de proteções.
O ponto principal para aceitar e praticar a escalada limpa não significa transpor uma barreira física ou técnica, mas sim uma barreira psicológica – que, na maioria das vezes, aparenta ser maior que sua realidade. Exemplos disso são algumas vias em Piraí do Sul que, a princípio, pareciam impossíveis de serem escaladas sem adição de chapas, mas que com paciência, criatividade e determinação, resultaram em vias bem protegidas com material móvel. Se tivéssemos instalado proteções fixas – o que seria a atitude mais fácil no momento – teríamos acabado com essas possibilidades.
Como escaladores devemos nos manter em constante questionamento sobre o ato de escalar, caso contrário nos fechamos ao processo de aprendizagem, que ocorre intensamente quando nos deparamos com situações novas, desafiantes. A escala limpa exige do seu praticante um comprometimento maior que a escalada fixa, já que a segurança do escalador depende da maneira como ele instala as proteções móveis.
Nessa modalidade a imaginação, a criatividade e a força psicológica do escalador são elementos tão importantes quanto a força, a resistência e a técnica. Em contrapartida, a sua intensidade traz ao praticante sensações gratificantes e duradouras que o acompanharão ao longo da sua vida. Experiências que ficam guardadas como jóias na memória, seja em São Luiz do Purunã, Marumbi, Patagônia…
Em relação a esse tipo de escalada podem surgir protestos de que se trata de uma pratica elitista. Essa afirmação não é válida porque o equipamento móvel que antigamente era algo muito caro e raro de encontrar atualmente está bem popularizado.
Se não nos julgamos capazes de escalar uma via com certo grau de dificuldade (técnica e de exposição), então devemos tentar outra via ou treinar o suficiente até estarmos preparados para o desafio. Não devemos sentir vergonha, isso faz parte do processo de evolução e crescimento na escalada. Todo escalador que tenta superar os seus limites já passou por essa situação.
No Japão antigo o aprendizado de um samurai exigia um longo caminho a ser percorrido, denominado bushido; poderíamos pensar que para a escalada de rotas audaciosas o escalador também precisa trilhar um caminho de aperfeiçoamento, onde cada vez mais deve explorar os meandros interiores de sua mente.
Não devemos ter a ilusão de dominar a escalada móvel da noite para o dia, esse é um processo lento – mas possível. Mesmo depois de acumular certo conhecimento, o processo de aprendizagem continua de forma constante, o que torna a escalada limpa muito estimulante.
Os anos passam, os equipamentos evoluem, o mundo se transforma, mas acredito que o que atrai um homem à montanha continua sendo o mesmo sentimento que moveu gerações de escaladores pelos mais diversos confins do planeta: a aventura. Devemos resgatar a essência da aventura, uma palavra muito escrita e pronunciada, mas pouco praticada.
Esse é um convite para aqueles que não conhecem a escalada limpa, descubram e pratiquem essa modalidade. Com esse conhecimento podem julgar a validade das minhas palavras.
Outros artigos disponíveis na internet para aprofundar seu conhecimento sobre o tema:
– Preservación de la roca natural para la escalada de aventura (em espanhol).
– To bolt or not to bolt (em português).
– Declaração do Tirol sobre as boas práticas nos esportes de montanha (em português).