Negligência ou Aventura?

Por Márcio A. F. Grochocki

      Lendo o texto “O padre e o direito ao risco e a aventura” de autoria de nosso amigo Hilton Benke, disponível no site AltaMontanha.com, percebi uma abordagem altamente romântica referente ao ocorrido, que acabou mascarando o ponto principal, a seqüência de negligências cometidas pelo Adelir de Carli, o padre voador, como é atualmente chamado pela mídia. Inclusive essa é uma alcunha muito mal utilizada, visto que já pertencia ao Padre Bartolomeu de Gusmão, balonista pioneiro, que muito supera seu rascunho contemporâneo. A visão apresentada pelo texto inclusive fez-me lembrar do contexto que envolvia as expedições Scott ao pólo sul, que enalteciam o improviso e o esforço sobre-humano (o espírito heróico britânico), desprezando a técnica e o planejamento.

      Hoje os “aventureiros de risco” contam com uma vasta rede de resgate e comunicação, que, queiram ou não, calçam sua suposta coragem. A aventura encontra-se banalizada, ela deve estar ao alcance de todos, independente do comprometimento do indivíduo com a atividade. O homem subjugando o meio e o conhecimento, negando-se a plena dedicação e constante evolução, isto é, comprometimento. A atual dinâmica da sociedade facilita a aquisição de informação e a formação humana em suas atividades. Entretanto essas transformações acontecem de maneira superficial, visto que elas tendem a ocorrer na mesma velocidade imposta pela sociedade. A dedicação, o correto planejamento, a busca pelo conhecimento são atualmente encaradas como perda de tempo, obstáculos à efetiva realização do objetivo final.

      O projeto de quebra de recorde em vôo com balões de festa, embora possuindo o nobre objetivo de promover a Pastoral Rodoviária, apresentou uma seqüência de graves falhas, até mesmo em fatores básicos, denotando a precariedade no planejamento do feito. É interessante observar que a mesma incúria permeia o meio montanhístico com a mesma intensidade e com um agravante, existem mais pessoas dispostas a freqüentar uma montanha do que a voar com um balão de festa por aí.

      Segundo relatos, o padre Adelir de Carli fez um curso de vôo livre, no entanto não possuía habilitação pelo simples fato de que não comparecer às aulas de instrução. Decolar numa cidade litorânea e não estar munido de equipamentos que permitissem a sobrevivência em caso de queda na água demonstra o total descaso com imprevistos. A frase proferida pelo padre antes de sua decolagem afirmando que após alguns minutos passaria pelas nuvens, onde não existiriam mais problemas, revela os parcos conhecimento referentes a meteorologia, fator que fundamenta a atividade do vôo livre. A entrada da frente fria causou, além da chuva, ventos perigosíssimos para um balão de estrutura frágil como o “pilotado” pelo padre. Ainda existem os fatos relativos aos conhecimentos parciais na operação dos equipamentos de orientação e comunicação que o mesmo portava.

      O padre esperava seguir seu vôo rumo ao oeste do Paraná, descendo na cidade de Ponta Grossa ou Prudentópolis. Resta saber quais fatores levaram ao planejamento de tal trajeto, visto que o seu aparato voador não apresentava nenhuma dirigibilidade. Os balões esportivos de ar quente apresentam alguma forma de controle fundamentada na ascensão e descida de acordo com a temperatura do ar, além do profundo conhecimento de seus pilotos na dinâmica dos ventos. Após a soltura, o padre partiu para um vôo sem direção determinada, alcançando rapidamente altitudes superiores a 5000 metros. Os amigos freqüentadores de alta montanha devem saber muito bem o que representa ao corpo humano uma ascensão desse tipo.

      A capacidade técnica do padre Adelir de Carli resumiu-se a lastro de seu aparato voador num vôo proibido, como aqueles dos grandes e modernos balões juninos, criminalizados por invadir o espaço aéreo representando perigo à aviação. Acredito que, mesmo proibidos e perigosos, esses balões juninos envolvem muito mais técnica, dedicação e conhecimento que os empregados pelo padre em sua frustrada tentativa de quebra de recorde.

      Operações de busca envolvem muito trabalho e riscos, sem falar na questão financeira. Não é justo que a população onere com gastos cada vez mais freqüentes e riscos desnecessários gerados por aventureiros negligentes. Esse tipo de “aventura” é extremamente prejudicial àqueles que realmente se dedicam a seus projetos. As restrições e proibições geralmente decorrem desse tipo de ocorrido. A generalização do perfil do aventureiro nivelado pelos piores exemplos.

      Todos têm direito a se aventurar e a correr riscos. O acidente é um fator inerente a qualquer atividade, no entanto conhecer profundamente as possibilidades de sua ocorrência é não dar sorte ao azar. O que se espera do aventureiro é que o mesmo dedique-se a seu projeto de maneira efetiva, conhecendo plenamente os fatores que o envolvem, minimizando seus riscos, agregando sabedoria para saber com eles lidar.

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