Por Alessandro Haiduke
Estava ele em um campo limpo, não existiam árvores, a única coisa que se via era o capim, que formava um tapete verde se estendendo em todas as direções que a visão alcançava. No horizonte, a imensidão verde era quebrada por um minúsculo ponto que se deslocava velozmente em sua direção. Aos poucos, foi possível distinguir um cavalo de pelagem branca. Porém, os olhos do animal estavam vendados. Em pouco tempo, o cavalo passou ao lado do índio e novamente sumiu no horizonte.
Guaicuru despertou perturbado, há dias vinha tendo o mesmo sonho, e não conseguia interpretá-lo.
Ele era um sonhador, descendente de uma antiga linhagem de xamãs. A arte do sonhar era um ensinamento secreto, transmitido oralmente de geração em geração desde tempos imemoriais.
Ele já havia visitado incontáveis vezes o mundo onírico, era um sonhador de prestígio, pois realizara inúmeras previsões, curas…
Agora, porém, tudo estava mudando. Os sonhos tornavam-se indecifráveis, o que não era um bom sinal. Os antigos falavam de uma lenda, a respeito de um dia em que os sonhos se tornariam inacessíveis. Quando esse dia chegasse, os sonhadores deixariam de existir.
Para Guaicuru, essas lendas não passavam de uma invenção. Porém, agora existiam muitos sinais de que ela se concretizaria, então ele decidiu encontrar uma solução para isso dentro do próprio sonhar.
Demorou vários dias para realizar todos os preparativos, rituais para sua longa viagem. Deitou-se em sua rede, fechou os olhos e penetrou, cada vez mais profundamente, nas camadas oníricas.
Ele não tinha mais liberdades dentro dos sonhos, aquele que era senhor agora estava à mercê em seu mundo. Guaicuru nunca havia chegado tão longe, as visões mudavam rapidamente de forma caótica.
Novamente, estava ele só na pradaria verde, o sonho indecifrado. Repetiam-se as cenas: o cavalo branco deslocava-se velozmente com os olhos vendados em sua direção. Quando o animal passou ao seu lado, o índio conseguiu saltar sobre o dorso e montou o prateado.
A paz transmitida pela cor do animal era quebrada pela negra venda que cegava seus olhos. Pensando em acabar com a agonia do cavalo, retirou a faixa. Os olhos do animal haviam sido arrancados.
Tomado de terror, fechou seus próprios olhos para se defender daquela visão. Despertou todo suado em sua rede.
Quando recobrou a lucidez, percebeu que carregava algo em sua mão direita. Abriu lentamente os dedos até entender que ali estavam os olhos do cavalo. Deste dia em diante, não mais fechou os olhos.
Para todos os lados que olho, vejo apenas o tapete verde misturado a uma terra cor de sangue, banhada pelo mais quentes dos sóis que já vira na terra. Que saudades daquele horizonte imperfeito rasgando os céus como que desafiando a sua perfeição anil de respirar o ar gélido das manhãs, sentido o despertar dentro dos pulmões.
Bom foi o tempo das aventuras, dos desencontros que no fundo nada mais eram do que estar se encontrando, quão prazeroso era essa busca por algo não sabido. Apesar de ter alçado tais caminhos, a inquietude ainda me acompanha, algo em mim diz que carrego os olhos e tenho que devolvê-los a seu dono, e hj olhos com olhos que não me pertencem, e é difícil crer que já não tenho meus antigos olhos, onde estarão agora?
O infortúnio era previsto mas mesmo assim quis seguir e agora só descansarei quando novamente vestir meus olhos…