Por Primata Domesticado
Estou aqui, ancorado por uma estreita fita de auto em uma parada aérea e desconfortável desta via que foi selecionada uma das 50 Clássicas do Brasil. Meu parceiro já desapareceu de vista guiando a enfiada. A corda permanece imóvel por longos minutos. O vento forte impossibilita qualquer comunicação vocal. Ajusto a cadeirinha para outra posição, aliviando a pressão já incômoda nos rins e pernas. Os pés também dóem nos pequenos regletes. Imagino o que deve estar acontecendo logo acima. Então a corda se move alguns centímetros. O vento e o barulho do anorak ficam mais fortes. Uma fina chuva começa a me atingir na horizontal. Procuro me abrigar encostado bem junto da rocha. A corda que dou segue começa a voar e se desprender em alças. Antes de ocorrer um enrosco, me posiciono rapidamente para reorganizar a bagunça. Sinto uma leve puxada no freio. A corda sobe mais um bom tanto. A chuva horizontal fica mais grossa. Meu parceiro segue escalando, mesmo nesta condição precária. A água já escorre pela parede. Então a corda para de subir. Me abrigo novamente junto da rocha, o corpo começa a esfriar. Leves tremores aqui e acolá. Os dedos perdem sensibilidade. O vento diminui por um instante, e ouço um grito difuso: “E aí! Descemos ou esperamos?” Não consigo refletir a tempo, e o parceiro fica sem resposta. Esta decisão é uma das mais importantes frente aos inúmeros desenrolares porvir desta experiência. Podemos desfrutar as recompensas da melhor escolha, ou as frustrações e castigos de uma grande roubada. O parceiro, como que lendo meu pensamento, decide esperar. O desconforto se estende por mais 30 minutos, quando gradativamente a chuva enfraquece até parar. O vento ainda sopra com força, desta vez secando as agarras. As nuvens densas vão se dissipando, e raios de sol atingem esporadicamente a montanha. Ouço um grito com palavras que não entendo, mas decifro. Retomo minha posição e vou liberando a corda, como se empinasse uma pipa rumo ao céu. Em meu rosto, um sorriso se abre. A escalada segue.
